Saneamento em ponto crítico

É indiscutível a importância da infraestrutura na área de saneamento para a melhoria de vida da população. Ainda hoje, 100 milhões de brasileiros são obrigados a conviver sem coleta de esgotos e outros 120 milhões vivem sem tratamento de rejeitos domésticos. Apesar das promessas e planos, muito pouco foi realizado até o momento para alcançarmos a universalização do saneamento no Brasil.

A convivência com esse atraso afeta diretamente a saúde da população brasileira conforme muitos estudos de vários órgãos públicos e privados já comprovaram. Os pilares com as soluções dos problemas de saneamento básicos no país foram traçados em 2007, com a elaboração do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico). Ele estabelece o papel de cada um dos entes da Federação, partindo de propostas técnicas para um PMSB (Plano Municipal de Saneamento Básico). Assim, União, Estados e Municípios devem desenvolver ações em conjunto para as soluções de seus problemas. O Plansab traz ainda a meta de alcançar a universalização dos serviços básicos até 2033.

A realidade tratou logo de alterar essas projeções, que acabaram se distanciando do prazo inicial. Assim, mesmo com muitos esforços nos próximos anos, não conseguiremos cumprir as metas estabelecidas. Os levantamentos recentes do setor revelam alguns dos problemas que precisam ser enfrentados para que possamos atender essa importante demanda da população. O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgados em 2015, por exemplo, traz dados da auditoria realizada entre janeiro e junho de 2014, nas obras que integram o programa Serviços Urbanos de Água e Esgoto do Ministério das Cidades. Entre 2007 e 2011, foram firmados 491 contratos e repassados R$ 10,4 bilhões para os empreendimentos no setor. Do total previsto em investimento na área, o estudo aponta que apenas 58 contratos foram concluídos (11,81%) e os investimentos alcançaram R$ 587 milhões (5,64%) do previamente esperado.

Os atrasos nos projetos essenciais de infraestrutura escancaram ainda um dos males da gestão pública brasileira, que é a falta de planejamento de longa data. Infelizmente, o calendário político se sobrepõe às reais necessidades da população, e obras de saneamento ainda são consideradas com baixo retorno eleitoral. A falta de continuidade dos projetos afeta ainda as empresas brasileiras na área de projetos, provocando prejuízos inestimáveis. Elas são detentoras da expertise conquistada com a realização de centenas de projetos no território nacional e contam com especialistas formados nas melhores instituições. Adiamentos e atrasos só contribuem para a perda dessa importante competência das empresas brasileiras construída durante décadas.

Hoje, sabemos que os entraves para a alavancagem desses empreendimentos estão em todos os entes da Federação e vão além dos obstáculos burocráticos. Os aspectos técnicos respondem por uma boa parcela dessas dificuldades. A falta de qualidade dos projetos apresentados, por exemplo, vem impedindo a liberação de recursos tanto do orçamento federal quanto do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Muitas vezes, o dinheiro está à disposição das prefeituras, mas os municípios não conseguem fazer sua parte. Prova disso é o cancelamento de 54 contratos pelo Ministério das Cidades somente em 2015, no valor de R$ 1,62 bilhão. Isso mostra que uma parte significativa dos cinco mil municípios do país não dispõe de competência técnica no setor e mais de 80% deles sequer contam com um profissional de engenharia para qualquer tipo de avaliação ou condução de um processo técnico.

A saída pode estar na adoção de novos procedimentos pelo Governo Federal, similares aos já aplicados por países desenvolvidos, que primam pela qualidade e eficiência de seus empreendimentos. A “Consultoria” deveria ser uma rubrica permanente nos programas de saneamento, com dotações específicas, contendo prazos e recursos, garantindo a qualidade dos projetos. A projeção de custo desses serviços é da ordem de 5% do valor de todo o empreendimento, enquanto pode ultrapassar 10% nos países desenvolvidos.

A criação de uma câmara setorial é outra proposta que pode apontar os gargalos e apresentar sugestões para destravar o andamento de obras no Brasil. Por outro lado, precisamos manter a Lei 8.666/1993 como instrumento essencial para esses empreendimentos, pois ela garante equilíbrio na contratação de serviços e obras de infraestrutura. Porém, acreditamos que a referida legislação precisa de aperfeiçoamentos, sem perder sua essência harmoniosa. Defendemos que para essa modalidade de empreendimento, as mudanças devem atender os aspectos específicos do projeto, com escolha de empresas por meio da modalidade de licitação do tipo técnica e preço para a contratação de serviços predominantemente intelectual, como é o caso de consultoria, elaboração de projetos e para a elaboração de planos municipais de saneamento.

A garantia de recursos mínimos para obras de infraestrutura em saneamento é outro passo importante para a efetiva transformação do setor no país. Nesse quesito, o Projeto de Lei 2.290/15, de autoria do senador José Serra (PSDB), e relatoria do deputado federal João Paulo Papa (PSDB), permite um incremento de até R$ 3 bilhões exclusivamente para investimentos em obras no setor. A proposta cria o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico (Reisb), que beneficia apenas projetos em consonância com o Plansab por meio da concessão de créditos relativos à contribuição do PIS/Pasep. O projeto já foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara dos Deputados e segue para análise de outras comissões técnicas.

Precisamos avançar com urgência para colocar os investimentos e obras de infraestrutura de saneamento básico na sua verdadeira rota. Não podemos mais contar com indicadores medievais e precisamos aprender a transformar planos e metas em soluções reais para a população.

 

pladevall(*) Luiz Roberto Gravina Pladevall é presidente da Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente (Apecs) e membro da Diretoria da ABES-SP.